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15-05-2016        Jornal de Notícias

Haja pudor e responsabilidade cívica! A propósito das intenções do Governo sobre o futuro dos contratos de associação do Estado com colégios privados, alguns dirigentes destes e políticos da Direita têm-se dado ao atrevimento de manipularem crianças, adolescentes e jovens que frequentam os seus colégios, servindo-se deles para reforçar as suas reivindicações. Com que informação e valores é feita esta mobilização?

A Constituição da República Portuguesa impõe ao Estado a obrigação de criar "uma rede de estabelecimentos públicos de ensino, que cubra as necessidades de toda a população" e reconhece a existência de ensino particular e cooperativo, que a lei depois regulou de forma clara. Não há, pois, qualquer dúvida quanto à existência e ao papel dos diversos tipos de ensino: a sua missão é assegurar "a todos o direito ao ensino" e "à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar". Incutir nas crianças e nos jovens perspetivas dicotómicas sobre o direito ao ensino e a sua qualidade é absolutamente criminoso.

O Governo tem, por determinação constitucional, o direito e o dever de fiscalizar rigorosamente o cumprimento dos contratos assinados, as condições de trabalho dos professores e outros trabalhadores dos estabelecimentos particulares e cooperativos, e todo o funcionamento destes. Analisar se há ou não razão para manter ou renovar contratos de associação é apenas uma pequena parte das competências do Governo. Por outro lado, este tem a obrigação de evitar que haja duplicação do financiamento e de reforçar as condições para que a Escola Pública tenha qualidade. É desta responsabilidade que depende a garantia do compromisso constitucional do direito ao ensino para a esmagadora maioria dos portugueses. Este direito não é um produto de mercado! Seria caricato atribuir ao Estado a obrigação de "fornecer" estudantes aos estabelecimentos particulares e cooperativos para que estes funcionem na dimensão e condições que desejam.

Que grande hipocrisia a Direita mostrar-se indignada e preocupada com o futuro das crianças e jovens destes estabelecimentos, quando encerrou centenas de escolas públicas e despediu milhares de professores e funcionários, quando impôs políticas de brutal austeridade que aumentaram a pobreza infantil, envelheceram aceleradamente a sociedade portuguesa e a tornaram mais desigual.

Quanto maior a desigualdade, mais necessário se torna o alerta deixado por Lacordaire, no século XIX: "Entre o forte e o fraco, é a lei que liberta e a liberdade que oprime". Muitas vezes é necessário retirar um pouco de autonomia a alguns para que todos possam ter um mínimo de espaço e condições de liberdade e dignidade. O futuro do ensino particular e cooperativo não está em causa; o primeiro-ministro disse claramente que os contratos já estabelecidos serão cumpridos na duração prevista; é possível proteger os professores e outros trabalhadores destes sistemas, de forma igual aos do ensino público.

Então, por que razão há tanto ódio latente em intervenções públicas de líderes da Direita e seus acólitos? Porque têm um enorme receio de que este pequenino passo, de justiça e coerência, possa ser um exemplo que impulsione outros passos corajosos de dignidade e justiça, capazes de desarmar promíscuos negócios e compadrios.

Esta gente anda sempre a reclamar que o Estado não seja gastador, nem invista em empresas, mesmo que delas seja acionista (caso da TAP) porque isso vicia a concorrência, mas não se importa que os portugueses paguem o ensino a duplicar, que alimentem parcerias promíscuas em vários setores e que subsidiem a Banca com milhares de milhões. São muito zelosos quanto ao direito de escolha dos que têm poder ou condições para o fazer, mas aos pobres retiram direitos sociais básicos em nome da sua "incapacidade" para os gerir, impondo-lhes as cantinas sociais, a dependência da sopa e de atos de caridade. Tanta maldade à solta!

O neoliberalismo serve-se de manipulações do mercado, mas ao mesmo tempo está-se marimbando para a tão propalada economia de mercado: o seu objetivo é colocar o Estado, os seus instrumentos e recursos ao serviço de setores e indivíduos privilegiados.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva