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29-11-2015        Jornal de Notícias

Custou, mas nasceu! O novo Governo só foi possível porque o regime democrático constitucional português deu suficientes sinais de amadurecimento, o povo manteve a serenidade e a atenção necessárias e porque houve atores políticos com valores e coragem.

O presidente da República (PR) devia ter agido com forte preocupação de contribuir para a estabilidade do país e para ajudar a uma solução governativa nova, desde que ela surgiu com apoio parlamentar maioritário, como determina a Constituição da República. Infelizmente não o fez. Cavaco Silva e a Direita a que pertence agiram em sintonia. Sem pudor, tudo fizeram para transformar o resultado das eleições legislativas em perigosa crise política e impedir a formação do novo Governo. O atual Executivo não é, pois, filho de uma crise política, mas sim da capacidade do regime e do povo para resistirem à "institucionalização" dessa mesma crise.

A Direita mais retrógrada e o seu presidente continuarão a conjurar todos os perigos e diabos à solta, nos planos interno e externo; agora, para despertar e organizar contrapoderes. Os "esclarecimentos" pedidos a António Costa e aos partidos da Esquerda tinham por objetivo complicar o processo e, acima de tudo, identificar campos e conteúdos potenciais da ação de poderes, "forças de bloqueio", que possam perturbar o Governo, ou mesmo destruí-lo. Qual a racionalidade do "pedido de esclarecimento" do PR relativo ao setor financeiro? Será que perante novos buracos que entretanto venham a público, se colocará ao lado de interesses egoístas de banqueiros sem escrúpulos?

Cavaco Silva, que nunca se preocupou com a falta de rigor e ética do Governo PSD/CDS, e que propagandeia falsos êxitos das políticas austeritárias, ficará à espreita de qualquer dificuldade ou escorregadela do novo Governo para o perturbar e atacar.

A Assembleia da República (AR) é agora o centro fundamental da vida política, o local obrigatório de discussões, conflitos e negociações influenciadoras da governação. É uma realidade nova que exige tempo de aprendizagem. A Direita, como vem demonstrando, vai tentar provocar chicana política, furtando-se ao confronto democrático. Que aproveitamento estará Cavaco Silva disposto a fazer disso?

Na tomada de posse do Governo, o PR desconsiderou o papel da AR, ao mesmo tempo que relevou, mais uma vez, o papel da Concertação Social (CPCS). Porquê? Ele sabe muito bem que o CPCS não é um segundo Parlamento e muito menos um Parlamento autónomo. O CPCS é, no regime em que vivemos, uma relevante instituição "cuja principal atribuição é a promoção do diálogo e da concertação social". Os seus acordos são importantes em função da representação que os suporta e até pela simbologia que adquirem, mas não são leis. E jamais se podem sobrepor às decisões da AR. Os compromissos que é preciso trabalhar continuamente no mundo do trabalho, para que haja desenvolvimento económico e social passam pelo CPCS, mas incluem também a negociação coletiva - essa, sim, com força de lei à luz da Constituição da República e das normas internacionais -, o diálogo e negociação permanentes, nomeadamente nas empresas e setores de atividades. É necessário encetar um ciclo de novas práticas.

Cavaco Silva, ratão da política, sabe que a relação de forças no CPCS é mais favorável aos objetivos da Direita e de grandes interesses económicos e financeiros, e logo vê ali um possível contrapoder. Não está de forma alguma assegurado, mas o tiro pode sair-lhe pela culatra: hoje, a esmagadora maioria dos empresários portugueses pouco ou nada têm a ver com os objetivos prosseguidos pelos herdeiros de um capitalismo comprometido com o fascismo que agora agita os espantalhos dos excessos do PREC; há muito partir de pedra entre os "parceiros sociais" ao longo dos últimos anos que pode gerar aproximações e até compromissos novos; o Governo é o primeiro municiador e condutor (para o mal e para o bem) da Concertação Social e pode, se nisso se empenhar, trazer dinâmicas e conteúdos inovadores àquele importante espaço de diálogo e negociação.

Fiquemos atentos não apenas à ação do Governo, mas também à organização e ação dos contrapoderes.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva