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30-08-2015        Jornal de Notícias

Nas últimas semanas ficou mais claro o cenário em que decorrem as eleições legislativas do próximo dia 4 de outubro: o país e os portugueses estão bloqueados num complexo atoleiro político, que tende a aprofundar-se com as propostas e movimentações dos partidos que nos têm governado nas últimas décadas, e se amplia com as “ajudas” que nos chegam da União Europeia (UE). No espaço europeu, e noutras regiões, a desintegração da democracia é, com nuances, um processo em aceleração, enquanto a liberdade de circulação do dinheiro cresce à medida que as pessoas vão ficando mais prisioneiras.

Portugal, para sair do caminho de retrocesso social e político e de negação da soberania que vem trilhando, precisa de políticas e de um programa de Governo que articulem, de forma sólida, medidas de conjuntura – dirigidas à revitalização da democracia, ao combate à pobreza, às desigualdades e à emigração forçada, à promoção do valor do trabalho e do emprego, ao incremento de atividades produtivas e de serviços indispensáveis a uma sociedade moderna –, com uma estratégia de longo alcance que equacione as opções que o país terá de tomar, dentro ou fora do euro, por forma a ser um espaço onde as novas gerações possam organizar as suas vidas e trabalhar com dignidade, dando futuro ao país. Este desafio vital não surge na agenda das duas forças políticas que as sondagens nos apresentam como possíveis vencedores das eleições, em “empate técnico”.

A coligação de direita (PSD/CDS) montou, com múltiplas ajudas, um quadro ficcionado sobre as condições de vida e de trabalho, sobre a situação económica do país, as contas públicas e a dívida, para iludir os portugueses. Joga forte com as contradições e os medos gerados, quer pelos fatores que apresentam como causas da austeridade, quer pelos efeitos brutais dessa mesma austeridade, preparando-se (se lhe permitirmos) para prosseguir num quadro de submissão e apoio às desastrosas políticas da UE. Nesta campanha eleitoral o discurso da direita sobre a Europa vai resumir-se a “malhar” na Grécia (com eleições a 20 de setembro), que classificarão hipocritamente de “mau exemplo”, escondendo as dimensões do lamaçal em que se encontra a UE e os reais desafios que Portugal vai ter de enfrentar.

O Partido Socialista, em cujo seio se desenvolvem manobrismos fratricidas, surge com algumas orientações e perspetivas interessantes em algumas áreas do designado Estado Social, mas são desastrosas as suas ideias de manutenção do desequilíbrio das relações entre capital e trabalho e de secundarização de direitos coletivos, ou a superficialidade de certas propostas económicas que acabarão por sacrificar o fator trabalho. Por outro lado, ignora fundamentais condicionalismos decorrentes da nossa condição de país do euro, como se Portugal e os portugueses não tivessem de se preparar e mobilizar para negociações e decisões delicadas nos próximos 4 anos. O PS e a sua liderança não sacodem as inevitabilidades do neoliberalismo e alguns mostram clara simpatia por opções e posturas políticas de direita.

Neste contexto, importa relevar dois fatores: i) nenhuma daquelas duas forças vai ter uma maioria que lhe permita formar governo sozinha; ii) o PS estará sempre no centro do processo de constituição do futuro governo, ou porque ganha as eleições e tem de fazer alianças, ou porque viabiliza um governo de direita.

O desempate que permite encetar caminhos de rotura com a austeridade, um novo rumo de negociação e posicionamento digno na UE, exige que se consolide e reforce a representação eleitoral das forças à esquerda do PS. Elas têm um grande peso político e social, embora diferenciado, na sociedade portuguesa e as suas propostas e intervenção são indispensáveis como contributo para um programa de governação que tire o país do atoleiro em que se encontra. O quadro de fragmentação em que hoje se apresentam não tem de ser definitivo.

À esquerda vivemos, há décadas, com um elefante no meio da sala carregado de incomunicabilidade e bastante sectarismo, mas se houver determinação ele há de ser retirado e será possível construir convergência programática e de ação.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva