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14-03-2015        Jornal de Notícias

Pouco a pouco, a União Europeia (UE), ou a zona euro, está a transformar-se numa estranha espécie de federação – uma federação do poder financeiro e económico, construída à margem das opiniões e interesses dos cidadãos, uma UE desprovida de instituições realmente democráticas.

Na Europa quem manda, formalmente, é um Conselho constituído por chefes de governo e de Estado donde emana uma Comissão que lhe prepara e, em certa medida, aplica as decisões. Mas na realidade quem está a mandar é o governo de um dos Estados-membros, a Alemanha, e o Banco Central. O Parlamento – o único órgão eleito – debate-se para conseguir exercer alguns dos poucos poderes que lhe estão atribuídos. A completar e a sustentar os órgãos e as funções comunitárias está uma estrutura burocrática com milhares de funcionários, vivendo e trabalhando em condições privilegiadas, num estilo de vida em regra muito distante do comum dos cidadãos europeus. E, no meio dessa grande massa, movem-se tecnocratas formatados pelo pensamento neoliberal e pelas mordomias que lhes são propiciadas, que têm uma influência que impõem aos poderes legitimados nos países.

Esta federação em construção, ao mesmo tempo que vai esvaziando as instituições democráticas dos Estados-membros das suas prerrogativas – primeiro foi a moeda, depois a autonomia orçamental, e progressivamente áreas de política que estavam excluídas das competências da União, como as políticas laborais e sociais –, torna-se cada vez mais impositiva e autoritária.

Um dos passos mais recentes do caminho dessa federação foi a União Bancária, saudada por entusiasmados europeístas. Certamente não por coincidência, a União Bancária desencadeou um processo de fusões e aquisições bancárias que tendencialmente irá reduzir o número de bancos europeus a um punhado. Ao mesmo tempo, porque a imbricação entre a economia financeira (e especulativa) e os grandes grupos económicos é grande, aumentará a dimensão e o poder das multinacionais nas mais diversas atividades.

Quebradas as amarras de dependência mútua anteriormente existentes entre sistemas bancários nacionais e Estados, os capitais bancários sentem-se encorajados, agora num quadro regulatório unificado, a constituir-se como entidades federais. Perguntar-se-á que mal virá daí ao mundo? O exercício para identificar todas as implicações é complexo, mas há uma que será certa: se os bancos de base nacional já eram “grandes demais para falir”, os bancos de base europeia serão colossos cuja falência deixaria de ter um impacto local, para passar a afetar toda a União.

Em Portugal, como na maior parte dos países, se o processo avançar, falar de banca nacional será um anacronismo. Toda a gestão da economia e a governação do país ficarão muito mais dependentes de decisões externas. O que está em curso é, pois, não a reforma de um sistema bancário normal, mas a criação de um sistema bancário estruturante de uma federação financeira sem democracia.

Este federalismo financeiro e, por arrastamento, também macroeconómico é um enorme perigo: i) a sua existência não é compatível com a democracia; ii) as economias reais, que produzem o fundamental dos bens e serviços que as sociedades precisam e que sustentam os Orçamentos dos Estados, vão ficar ainda mais aprisionadas pelas práticas predatórias da gestão privada dos grandes grupos empresariais; iii) os Estados e as suas instituições perderão meios e capacidades para responder aos problemas das pessoas e para encetarem processos de desenvolvimento autónomo; iv) os cidadãos serão espremidos até ao tutano se quiserem ter acesso a direitos sociais fundamentais como a saúde, o ensino, a proteção social, a justiça, e terão a vida subjugada às emergências de constantes “crises” e da “ausência de alternativas”.

A União Europeia precisa de mudança de rumo, de profundas reformas institucionais e de ruturas com as políticas seguidas, de revisão de Tratados. Precisa de instituições democráticas e de cidadania, não de federalismo financeiro. Se a UE não conseguir ser espaço de cooperação e solidariedade efetiva entre os países e os povos, desagregar-se-á, gerando graves riscos. As profundas transformações de que a UE precisa não se farão com a atual relação de forças, mas com propostas e pensamento novos.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
zona euro    federalismo financeiro    UE