Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
16-02-2015        Jornal de Notícias

Vivemos uma semana com um enorme leque de notícias, de grande impacto a merecerem análise: monumentais fugas ao fisco, manipulações bolsistas e o “nervosismo” dos mercados, negociações e tensões entre a União Europeia e a Grécia, a guerra na Ucrânia e outras guerras e loucuras. Este turbilhão de acontecimentos noticiados ora num sentido, ora noutro distancia-nos das origens dos problemas e até do brutal sofrimento humano associado, tornando quase natural que à nossa volta se desrespeitem direitos humanos e os direitos mais elementares no trabalho. Convivemos quase pacificamente com salários e pensões baixíssimos, com ausências do direito universal à saúde, à justiça, à educação.

Passos Coelho, o Primeiro-ministro europeu em funções mais subserviente e submetido a interesses estrangeiros, diz agora não ter qualquer preconceito contra o governo grego, mas antes catalogou o seu programa de “conto de crianças”, persistindo em apresentar Portugal como um país no bom caminho e cumpridor de “um programa com êxito”. O país de êxito de Passos Coelho e quejandos é, este sim, um conto de embalar, onde não entra a realidade de cada vez mais pessoas alienadas dos seus direitos de cidadania e do trabalho tornando-se atividade de sujeição inevitável, a aproximar-se da escravidão.

O Presidente da República (PR) prosseguindo nos seus discursos de hipocrisia política, alerta os portugueses para o custo da solidariedade com a Grécia, pois “significa muitos milhões de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses”, escamoteando de forma inadmissível uma questão fundamental que ninguém de bom senso, na Europa e no mundo, ignora: a Grécia é uma parte importante da UE e a solução dos gravíssimos problemas com que se depara é de vital importância para todos os europeus e não só.

Dezenas de milhares de milhões de euros foram sacados aos trabalhadores e ao povo português, através dos “negócios” BPN, BPP, BES/GES, Swaps, PPP e dos processos de privatizações, com o PR a assistir impávido ou a credibilizar alguns deles. Desde que é presidente, os trabalhadores e os desempregados ficaram mais desprotegidos, com leis injustas e imorais, que ele candidamente promulgou. As transferências de rendimentos do trabalho para o capital somam milhares de milhões de euros por ano e o senhor Presidente nada diz.

Esta semana ficamos a saber que dos cerca de 25000 doutorados que o país tem, 40% trabalham com um vínculo precário e não chega a 4% o número de doutorados a trabalhar em empresas privadas. Quão importante seria termos um Presidente que tomasse a sério um tema destes e o colocasse em análise na sociedade.

Soube-se também que o trabalho à jorna no Serviço Nacional de Saúde – feito por médicos, enfermeiros e outros profissionais qualificados – propicia às multinacionais que intermedeiam a colocação desses trabalhadores, um negócio de mais de 70 milhões de euros por ano.

Recentemente veio ao meu encontro um trabalhador de uma empresa do ramo alimentar que está há 6 anos a desempenhar funções de chefia (situação confirmada por escrito), mas que não recebe os 60 euros mensais de diferença a que tem direito. Sente-se profundamente injustiçado, mas a sua esposa trabalha na mesma empresa e sempre com contratos a prazo: sabe que se reclamar ela será despedida. Quantos milhares de portugueses vivem estes dramas…

As empresas são negociadas ou “reestruturadas”, como acontece hoje com a EFACEC, a PT e outras, e os direitos dos trabalhadores são cilindrados no meio desses processos. Os despedimentos já não são fundamentados e os patrões ou acionistas envolvidos nem se detêm uns segundos para assumir compromissos com os trabalhadores. A destruição da contratação coletiva é um dos maiores crimes contra a existência de um sistema de relações laborais sustentador de um modelo de desenvolvimento para o país. Essa destruição instala nas práticas patronais uma atuação unilateral e de absoluta impunidade.

Por muito que andemos ocupados com outras grandes preocupações, não deixemos que trucidem os direitos a um trabalho digno, a salários justos, ao controle do tempo de trabalho. Essa é a via mais rápida do retrocesso social e do desastre económico e político.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
Grécia    Ucrânia    UE