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31-01-2015        Jornal de Notícias

Em democracia, pode-se e deve-se exercer livremente o direito de voto. O povo grego, apesar de fortemente chantageado, depauperado e com razões para desacreditar, votou em percentagem significativa, colocando na liderança de um governo novo o Syriza (partido cujo nome Passos Coelho não consegue pronunciar), força política que de forma muito dinâmica trouxe para o debate problemas reais e para o sonho das pessoas perspetivas de vida que estão para além daquilo que o cardápio da União Europeia (UE) instituiu como receita única e inevitável.

O governo grego já trouxe algo de novo. Nos seus primeiros sinais disse que quer cumprir o que prometeu e não trair. Há quanto tempo não surgia um Primeiro-ministro em países da UE a ter esta coerência de partida? Não sabemos como a situação da Grécia e da UE vão evoluir, mas sabe muito bem que Alexis Tsipras não seja mais um Hollande e que um governo, ao definir as suas opções estratégicas, para um país “ocupado” e bloqueado, assuma como prioridades a dimensão humanitária e a resposta aos problemas mais duros que marcam a vida das pessoas.

Para se tentar compreender todos os gestos iniciais deste novo governo grego é preciso ter presente a condição de país condenado em que a Grécia foi colocada dentro da UE, a força do BCE e de quem o comanda, o poder e interesse dos mercados à escala global, a posição geográfica e geoestratégica deste país, mas também a consciência de que o Syriza iniciou a governação como David perante Golias. Ainda por cima, os países que lhes estão próximos (em condições de submissão e sujeição, como é o caso português) estão, por ação de governos indecorosos, numa situação de significativa passividade.

Passos Coelho disse ontem “não contem comigo” para uma conferência europeia com vista à resolução do problema da dívida, nem para nenhuma reestruturação. A dívida é um grave problema para o nosso desenvolvimento, como são os condicionalismos do Tratado Orçamental e dos mecanismos de uma moeda única que não é comum. O que é para este Primeiro-ministro o interesse nacional? Contamos com ele para quê? Para apoiar na Europa quem quer mais pobreza, desemprego, injustiça, mais sangue?

Os gestos do governo grego têm de fazer um percurso interno, e externo, gerindo relações de poder, desequilibradíssimas, que lhe permitam caminhar e, ao mesmo tempo, façam despertar mais dinâmicas de protesto e de exigência de mudança à escala europeia. O que é de aplaudir ainda é o facto de não ficarem à espera da bondade de mudanças na União Europeia, mas serem atores ativos dessas imprescindíveis mudanças.

O rumo escolhido é ofensivo, pondo de lado ruturas profundas com a UE, mas esta, e em particular a Alemanha e seus aliados, parece que vai intensificar pressões, chantagens e bloqueios. Isso pode tornar inevitável novas atitudes do governo grego, outras opções bem mais delicadas. No meio deste caminho o que é que vai ficando mais claro, com significativo interesse para nós portugueses?

Um ministro alemão disse esta semana que as “mudanças na Grécia não devem ser um fardo para os contribuintes europeus” e há quem em Portugal amplie esta ideia para nos amedrontar. Esta gente que agora se parece preocupar com os cidadãos europeus foi a mesma que decidiu e impôs, no início da crise, a passagem de grande parte das dívidas públicas e privadas, que os bancos teriam de resolver, para a responsabilidade dos Orçamentos dos Estados, ou seja, para os seus cidadãos. Em Portugal, em nome de que andamos a viver acima das nossas possibilidades, impuseram-nos esse fardo e aproveitaram a onda também para nos chamar ao pagamento dos buracos das PPP, do BES/GES, do BPN e de outros.

Quando tanto se reclama responsabilidade ao governo grego, aproveitemos para exigir o mesmo aos nossos governantes que traíram os seus programas eleitorais, que mentem sobre os objetivos das suas políticas, que prosseguem no fundamentalismo criminoso da desvalorização salarial e no desmoronamento do Estado Social.

Perante um cenário de eleições legislativas, impõe-se a definição de compromissos políticos e propostas portadoras de verdadeiras alternativas. As mudanças necessárias, neste contexto que vivemos, terão de ser geradas e afirmadas a partir das margens.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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