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13-12-2014        Jornal de Notícias

A democracia está a tornar-se, acelerada e perigosamente, refém dos mercados financeiros. Estes, utilizando o seu poder dominante, procuram impor, nas mais diversas esferas da sociedade, a cartilha neoliberal que marca a atual fase do capitalismo reinante. Os governos que ideologicamente se situam neste campo - e mesmo aqueles que o rejeitam conceptualmente mas se sujeitam às suas inevitabilidades - estão condenados a mentir sistematicamente aos cidadãos: é a "inevitabilidade" resultante do choque brutal entre os objetivos e resultados das políticas prosseguidas e a vida em democracia em sociedades modernas, que implica supremacia da política definida pelo voto e anseios dos povos, desenvolvimento humano com sistemas universais e solidários de direitos sociais fundamentais. Entre o dia 8 e o dia 11 deste mês, os juros da dívida pública portuguesa subiram de novo de 2,72% para perto de 3%. Algo semelhante, embora em menor extensão, aconteceu com os juros das dívidas espanhola e italiana. O que aconteceu de extraordinário nesses dias em Portugal, Espanha e Itália? Nada, além do que vem acontecendo nos últimos anos. Na Grécia, também prosseguiram as políticas de austeridade, mas surgiu ali um facto novo. O Governo grego decidiu antecipar as votações no Parlamento, tendentes à eleição do novo presidente da República. Se nessas eleições não forem obtidos os dois terços necessários, a consequência possível será a realização de eleições para o Parlamento já no início de 2015. Segundo as sondagens, a oposição pode ganhar essas eleições. Perante este cenário, o direito de o povo grego escolher os seus governantes e as políticas que deseja para o seu país é de imediato ameaçado: os juros da dívida subiram para 8,58%. Para os agentes financeiros que comandam a flutuação dos juros, eleições democráticas representam "riscos políticos". 

Este episódio mostra que vivemos à beira do abismo. Um espirro na Grécia é transformado num tremor de terra em toda a periferia da União Europeia. O acesso ao mercado da dívida soberana, de que o Governo português tanto se gaba, está preso por arames face a estas instabilidades e à falta de transparência dos balanços dos bancos portugueses. E a democracia tem sobre a cabeça a espada, não de Dâmocles mas da finança internacional. Ao mínimo sinal de mudança política contra os seus gostos, os capitais, com toda a liberdade especulativa, batem asas e atiram os juros para os píncaros. Assim, qualquer país pode ficar sujeito ao incumprimento do serviço da dívida, ou a um novo resgate.

Num mundo desprovido de instituições de governação à escala internacional e com governos que subjugam a política, a integração económica e financeira exponencia os riscos sistémicos. Como numa floresta sem aceiros, qualquer pequena fogueira se transforma rapidamente num incêndio. Na União Europeia e no país, em vez de andarem a "encanar a perna à rã" com declarações de boas intenções e indução de falsas esperanças, mas sem ação concreta, exige-se a criação de alguns atritos nas pistas onde viajam os capitais e a colocação de barreiras de controlo, impeditivas dos roubos atualmente "legais" e potenciadoras da taxação da riqueza a favor do bem coletivo.

Em Portugal, sentimo-nos chocados com as trapaças, manipulações e mentiras concretizadas por gestores sem escrúpulos nas negociatas dos swaps, nos processos BES/GES, BPN, Portugal Telecom e tantos outros.

Mas as privatizações e as negociatas das PPP também foram feitas debaixo de idênticas propagandas mentirosas. Além disso, se compararmos com objetividade as promessa eleitorais dos responsáveis políticos que estão no Governo com as políticas que depois impuseram, ou se compararmos os objetivos por eles anunciados nas "reformas" da justiça, do ensino, da saúde com aquilo que delas resultou, deparamo-nos igualmente com monumentais manipulações e mentiras. O Governo manipula leituras e dados estatísticos, para nos mentir sobre a evolução do emprego e do desemprego. Tem em marcha um ataque brutal à segurança social para privatizar serviços sociais e despedir trabalhadores. Fá-lo, a coberto de propaganda mentirosa.

O futuro reclama forte combate à especulação e à mentira.  


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
UE    democracia    mercados financeiros