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01-11-2014        Jornal de Notícias

 A sequência dos fatores mais relevantes dos negócios da PT Portugal, no seu percurso recente é esta: em 2010, a PT vendeu a sua participação na Vivo à Telefónica por 7,5 mil milhões de euros (as mais-valias não pagaram quaisquer impostos) e comprou 23% da Oi por 3,75 mil milhões, movimentando, nestas duas operações, 11,25 mil milhões e tendo a PT ficado com um excedente de 3,74 mil milhões; após esses negócios a PT pagou ao Estado português 1,8 mil milhões de euros para concretizar a transferência de pensões da empresa para a Caixa Geral de Aposentações, transportando o encargo futuro para o Estado e permitindo contabilizar no Orçamento do Estado (OE) uma receita extraordinária; o remanescente (1,95 mil milhões), no fundamental foi utilizado para entregar dividendos aos acionistas, processo que se acentuou e levou a PT a contrair empréstimos, tendo hoje uma dívida de 6,5 mil milhões de euros.

Hoje conhecem-se as profundas ligações do grupo GES/BES à PT e tornou-se claro que a PT funcionou em momentos cruciais como uma espécie de caixa de tesouraria do grupo. Para satisfazer os outros acionistas de relevo, era preciso alimentá-los e foi isso que a gestão de Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e C.ª fizeram.

Os acionistas, os atores do "mercado" que jogam com estes negócios e os exploradores da especulação financeira tinham, pois, fortíssimas razões para eleger Zeinal Bava como "o melhor gestor". Mas o verdadeiro gestor era o grupo GES/BES. A administração Bava e C.ª apenas credibilizava e completava as operações do(s) grande(s) acionista(s). Em cada negócio houve explicações técnicas (e políticas) que os anunciaram como as melhores opções para o futuro da PT e do país. Entretanto, se um dia se fizer um sério combate à corrupção, talvez se venha a constatar que todos estes negócios também tiveram outros "pequenos" beneficiários.

É claro que a PT era (e é) muito mais que uma plataforma de negócios, teve um importantíssimo papel no país, dispôs e dispõe, no plano técnico, de extraordinários trabalhadores e gestores. Agora, Zeinal Bava - que continua, até fevereiro, com escritório e apoios vários - foi dispensado com direito a um "subsídio de desemprego" de 150 mil euros por mês, durante 3 anos. Se um trabalhador comum prevarica, leva (e bem) com um processo e é despedido sem proteção. Estes privilegiados fazem-se remunerar principescamente, praticam atos de criminosa gestão e ainda recebem indemnização de milhões.

Em Portugal ouvimos todos os dias loas bacocas às superiores qualidades da gestão privada e é forte a inculcação da tese de que os gestores privados têm o direito a decidir como muito bem entenderem sobre a forma de obter lucros e de os distribuir. Nada de mais errado: no sistema político em que vivemos, uma empresa privada (e ainda mais grandes grupos económico-financeiros) é uma organização da sociedade. As suas opções e decisões afetam todos. Por isso é que é indispensável a presença do Estado em setores estratégicos, há necessidade de cumprimento das leis e de regulação efetiva, de princípios éticos na gestão.

A PT é uma realidade demasiado importante para não ser sujeita a análise sólida do seu percurso e do seu papel (1) . É uma empresa herdeira de todo o plano de comunicações e telecomunicações em Portugal e os governos, hoje como no passado, têm de intervir no seu destino. A Assembleia da República pode e deve ser ativa neste processo. Não se pode permitir a destruição ou desmantelamento do segmento das telecomunicações, desta empresa de excelência, que dispõe de tecnologias avançadas e serve centenas de milhares de empresas e milhões de portugueses, que emprega 36 mil trabalhadores com relação direta ou em regime de outsourcing. O seu contributo para a economia nacional, as receitas, desde logo fiscais, que ali têm origem e alimentam o OE são enormes e não podem ser desbaratadas.

Aos trabalhadores da PT, ativos e não ativos, não posso deixar de colocar um desafio: façam toda a ação e intervenção interna e pública que salvaguarde o vosso emprego e ajudem à consciencialização e mobilização dos portugueses para se evitar maiores desastres.

(1) Sobre a evolução do setor e da empresa escrevi umas dezenas de páginas na minha tese de doutoramento.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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