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02-08-2014        Expresso

Imagine o leitor que a expressão neoliberalismo lhe causa – comigo acontece – um calafrio cívico. Porquê? Por sabê-la defensora de um estado sem preocupações sociais, de indivíduos egoístas e de um mercado que conta mais do que as pessoas e que contagia todos os fenómenos da vida social e política. Não acredito ser possível fazer funcionar uma sociedade verdadeiramente humana, digna, decente e solidária com tais pressupostos. Mais, como crítico do neoliberalismo discordo de uma galáxia de ideias, instituições e autores, por exemplo, Hayek, Friedman, filho e pai, thatcherismo, Banco Mundial, FMI etc, relativamente à qual contraponho outras ideias nas quais se incluem a não destruição do estado social, a defesa do serviço nacional de saúde, o investimento na educação, a promoção do direito do trabalho e dos diferentes mecanismos de protecção social e o respeito pela Constituição Portuguesa.

Contudo, caro leitor, veja bem a situação a que chegámos quando após os episódios dos últimos dias relacionados com o BES se confirmam as suspeitas, de que o neoliberalismo nunca existiu em Portugal. Bem, existir, existe, no ideário revolucionário daqueles que com proselitismo ideológico e método afirmam os seus princípios inspirados no breviário da troika e nas políticas de ajustamento estrutural. E até se pode afirmar que somos precursores de uma escola de neoliberalismo, a qual está hierarquicamente dependente das pessoas e redes de interesses económico-financeiras, as quais através de uma pedagogia conspirativa manipulam políticas e políticos. É certo que o estado e a política têm gostado da companhia e do contágio através do qual tem ocorrido a sua captura e a triste corrosão da esfera da política, sabendo-se bem que não há sociedade democrática sem uma política e um poder democráticos fortes.

Assim, o neoliberalismo existe e está não só remoçado pela implementação das políticas da austeridade, mas também, e este é o ponto, pelo princípio da excepção discreto, promovido pelos interesses e pelos lobbies. Por mim, o neoliberalismo da austeridade em Portugal é simultaneamente uma forma de implementar selectivamente medidas e políticas, de facto, neoliberais, tendo por base estruturas de dominação e de poder protagonizadas por elites, lobbies e redes, as quais envolvem o estado e a política por forma a assegurar os seus proventos e lucros. Tudo isto traz nova luz sobre quem viveu acima das suas possibilidades, quem é culpado por ter consumido demais, bem como, acerca do modo como as transferências de poder e de rendimentos, verificados no actual contexto de austeridade, se tornam parte de um processo complexo da estruturação dos poderes fáticos em Portugal. Apesar da capacidade discursiva de ideias políticas, económicas e sociológicas e da mobilização dos debates no espaço público serem mais importantes do que muitas vezes se pensa, acontece, porém, como diria Keynes, que o mundo é governado por algo mais…de uma forma ou de outra, não são as ideias, mas sim os interesses estabelecidos que determinam a virtude do bem e do mal. Esta é, por enquanto, a teoria política do espírito santo.


 
 
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António Casimiro Ferreira



 
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