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12-09-2014        Diário de Notícias

À Europa como retórica cabem bem afirmações como “a inovação e a investigação são a chave para o crescimento que queremos na Europa: um crescimento sustentável que promova a qualidade de vida dos Europeus. São a chave para aumentarmos a produtividade e dinamismo das nossas empresas, para competirmos pela excelência e não pelos baixos custos". Na Europa concreta, a candura da retórica não chega para esconder as estratégias de poder que a produzem. A noção de que estas afirmações foram feitas por Carlos Moedas, indigitado comissário europeu com o pelouro da investigação, ciência e inovação, ajuda a distinguir a Europa da retórica da Europa concreta. A interpretação que a Europa da retórica faria das afirmações transcritas – o seu ênfase no crescimento, a sua preocupação com a qualidade de vida, a sua rejeição da competitividade fundada em custos sociais baixos – choca brutalmente com a interpretação exigida pelo facto de ser Moedas o seu autor. Ou seja, choca brutalmente com a Europa concreta. Sabemos melhor que ninguém qual é o projeto político de Carlos Moedas, sabemos qual foi a sua prática governativa. E isso impõe-nos que, em homenagem à coerência de Moedas, leiamos nas suas afirmações o que ele realmente quis dizer: a inovação e a investigação que avalizam a austeridade como purificador social e económico ajudarão a legitimar um modelo social alicerçado num acréscimo de competitividade impulsionado pela desregulação e pelo corte de direitos. Essa será a função útil da ciência, feita refém do mercado e privada da sua capacidade única de garantir a auto-reflexão da Europa e dos seus países sobre o caminho de desconstrução que estão a trilhar.

Para os cultores da Europa como retórica encantatória, a União Europeia é a madrinha do nosso desenvolvimento científico, dando dinheiro, estabelecendo procedimentos e sobretudo dando ambição. Ora, a Europa concreta, aquela que é dois terços da troika, tem sido a principal artífice do desmantelamento do sistema português de investigação científica. A Europa concreta de que Moedas é agora a voz na ciência e investigação destruiu ou legitimou a destruição de duas décadas de qualificação de Portugal nessas áreas. Foram as imposições dessa Europa concreta em matéria orçamental que justificaram cortes de cerca de 26 milhões de euros no financiamento de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, fazendo o país regredir, nessa matéria, aos primeiros anos deste século. Foi a receita da austeridade imposta por Bruxelas e convictamente intermediada por políticos locais como Carlos Moedas que deu conforto à determinação da cessação de financiamento público a metade das unidades de investigação e desenvolvimento em Portugal, acarretando a inviabilização material da continuidade de trabalho de áreas de investigação inteiras como os Estudos Clássicos. É, enfim, o espartilho da disciplina orçamental sem contrapartidas de intervenção compensadora, adotado cânone pela União Europeia e dogmaticamente posto em prática por governantes como Carlos Moedas que estimula a perpetuação da precariedade como modo dominante de trabalhar em geral e na área científica muito em particular.

Disseram os comentadores da área do Governo que Carlos Moedas cumpriria bem o seu papel fosse qual fosse o pelouro que lhe fosse atribuído na Comissão. Tinham razão: pelo seu desempenho importante no governo da troika em Portugal e por aquilo que o seu governo fez à ciência e investigação em Portugal, Carlos Moedas é o homem certo para esta Comissão concreta desta Europa concreta.


 
 
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José Manuel Pureza