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27-11-2024        As Beiras

A Agência Portuguesa de Ambiente, APA, pôs em vigor o Plano de Gestão de Riscos e Inundações. Embora, de acordo com a informação veiculada pela Câmara Municipal de Coimbra, estejamos ainda à espera que a APA defina com rigor a cota de cheia do Mondego, é mais que provável que irá subir. De resto, a Câmara Municipal fez o que tinha a fazer, prorrogou por mais dois anos o prazo de caducidade do Plano de Pormenor da Estação Intermodal, que Coimbra conhece e amplamente debateu. A APA, por seu lado, está a cumprir parte do seu papel, que é prevenir eventuais catástrofes provocadas pelas inundações futuras.
Refiro-me a “parte” do seu papel, porquê? É simples.

Quando se trata de subir a cota de cheia do Mondego, há logo uns arautos, muitíssimo bem-intencionados, que gritam — “Veem? Eu bem vos preveni contra a ira divina”. Há em Coimbra uma ideia preconcebida que o planeamento serve só para impedir, para restringir, para resfriar os ímpetos destruidores de alguns interesses malévolos. Mas não, já aqui o escrevi antes, o planeamento serve para prevenir os problemas, sim, mas serve essencialmente para os resolver. Ou melhor, serve para prevenir os problemas e planear a forma de os resolver. E é essa segunda parte que eu não vejo, no que se refere ao Mondego. Há problemas, sem dúvida. Prevenimo-los subindo sempre e cada vez mais a cota de cheia, mas deixamos tudo como está até que uma futura subida ponha em causa a própria cidade já consolidada. E aí? O que faremos?

As obras de regularização do Mondego começaram no Século XVIII e ainda não acabaram. Durante a década de 1980, houve obras significativas que, contudo, ficaram incompletas. Diz quem sabe que a Barragem de Girabolhos, no Alto Mondego, iria reduzir o risco de inundações. A dragagem da albufeira de Coimbra a montante do açude deveria ser periódica, senão mesmo permanente. Mas não, fez-se uma campanha há alguns anos e agora... pronto, já chega. Nenhuma destas medidas se perfila sequer no horizonte, nem mesmo num horizonte longínquo. Mesmo as medidas de beneficiação de infraestuturas de controlo das cheias do Aproveitamento Hidráulico do Mondego foram consideradas pela APA de prioridade baixa, no tal Plano de Gestão dos Riscos de Inundações, e dotadas com uma verba modesta. Será que as comportas de Santa Clara-a-Velha estão também incluídas nessas infraestruturas?

Não se vislumbra qualquer sombra do que se possa verdadeiramente chamar um plano para a regularização do Mondego, vamos subindo a cota de cheia até a cidade histórica à cota baixa ficar também inundada. Claro que um património de urbanidade milenar não conta nada para os “planeadores” do ambiente. Na visão do “planeamento” do ambiente, as cidades, algumas cidades, são para deixar cair. Entretanto, ficamos à espera do que vai acontecer quando subir a cota de cheia nos cerca de 50 quilómetros de estruturas urbanas ribeirinhas na área metropolitana de Lisboa. Esperemos que, a bem das populações, se impeçam também novas construções e novas infraestruturas de transportes, que se prorroguem todos os novos planos de pormenor. Ou será que o problema está exclusivamente no Mondego, que é um chato...?

Tenho mesmo de dizer isto porque em tempos já ouvi alguém, com altas responsabilidades governamentais, dizer que as populações do Baixo Mondego têm de se habituar à ideia de que devem abandonar o território onde sempre viveram, mas as ligações Lisboa-Porto, essas não podem ser interrompidas pelas cheias. E aí vão elas todas, as tais ligações, a atravessar o vale em viadutos com trinta metros de altura... Nós ficamos todos cá em baixo, a ver subir a cota de cheia e a sermos diligentemente avisados pelos arautos.


 
 
pessoas
José António Bandeirinha



 
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