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12-02-2020        Público

Enfrentamos hoje um desafio que nos envolve a tod@s. Nas últimas décadas, experienciámos uma transição demográfica bastante rápida e com um profundo impacto no médio e longo prazo. Nos anos 60, de acordo com a Pordata, o Índice Sintético de Fecundidade em Portugal era de 3,2 filhos por mulher em idade fértil e, em final de 2018, de apenas 1,41. Seria preciso que cada mulher tivesse em média 2,1 filhos para uma substituição de gerações. Algures entre 1981 e 1983 ultrapassámos esse limite mínimo. Em 1982 o Índice Sintético de Fecundidade foi de apenas 2,08. Atingiu um mínimo de 1,21, em 2013, no pico da crise (mostrando a ligação entre demografia e economia), tendo recuperado ligeiramente desde então. Significa isto que os portugueses estão em perigo de extinção? Não. Nem por isso.

Desde os anos 60 que a população portuguesa apresenta um padrão de envelhecimento colectivo. O Índice de Envelhecimento, que era, em 1960, de 27,3, evoluiu para 127,8, em 2011, indicando que o rácio entre os mais velhos e os mais novos se tem agravado. Por outro lado, o Índice de Longevidade (o número de pessoas com 75 e mais anos por cada 100 pessoas com 65 e mais anos) era de 33,6, em 1960, e de 47,9, em 2011, mostrando que os mais velhos estão, hoje, mais velhos. Em 1960, a Esperança Média de Vida era de 60,7 para os homens e de 66,4 para as mulheres. Em finais de 2017, era já de 77,8 para os homens e de 83,4 para as mulheres. Vive-se cada vez mais tempo. A população portuguesa possui hoje mais idosos e estes são mais velhos do que no passado recente. Ser mais velho é necessariamente mau? Não. Nem por isso.

Nos anos 60, Portugal era um país de emigração com poucos imigrantes. O tempo era de despedidas, para a guerra colonial ou para Paris. Numa década, mais de um milhão de portugueses emigrou, sobretudo adultos em idade activa. Emigrantes na maioria pouco escolarizados, que saíam directamente do mundo rural para as mais cosmopolitas cidades do mundo. Desde então, as migrações fazem parte do país que somos. Na última década, centenas de milhar de portugueses voltaram a fazer as malas e a partir. Mais escolarizados, já não apanham o “Lusitânia Expresso” para Paris, mas um avião para uma economia mais avançada. Ei-los que partem. Isso é necessariamente mau? Nem por isso.

A partir dos anos 80, Portugal assumiu características de país de imigração que, com alguns sobressaltos em épocas de recessão económica, não mais perdeu. Acolhemos hoje uma população imigrante com origem em países tão diferentes como Cabo Verde, Brasil, Nepal ou China, entre muitos outros. À nossa volta, escutamos um murmúrio do mundo. Vozes que nasceram noutros continentes são hoje as dos nossos vizinhos do lado. Os nossos filhos são colegas de sala de crianças que falam línguas diferentes, que têm culturas diversas e que ajudam a nossa pirâmide etária a não ser um menhir e o nosso futuro a ser menos sombrio. Precisamos de acolher e reter imigrantes. Será isto negativo? Não. Nem por isso.

Portugal tem hoje uma população envelhecida num país (ainda) pleno de desigualdades. As áreas metropolitanas atraem uma população jovem com ofertas de emprego, mas sem oferta de habitação a custo justo. As cidades de média dimensão, com mais qualidade de vida, seriam a escolha racional, mas, na maioria dos casos, não conseguem competir com o cosmopolitismo de Lisboa ou do Porto. As aldeias e as vilas do que apelidamos de “interior” não atraem nem retêm a população de que necessitam para o seu futuro. Os bairros suburbanos das cidades e as aldeias mais isoladas são o local de residência dos mais vulneráveis socialmente. O país, como um todo, é um exemplo de políticas de coesão social por cumprir. Falta solidariedade territorial, falta estratégia demográfica, falta solidariedade intergeracional, falta racionalidade nos investimentos públicos. E isso é um problema? Sim, é.

Quando analisamos as estatísticas demográficas portuguesas damo-nos conta do desafio que temos pela frente. No futuro haverá menos crianças, seremos menos e mais velhos. Trabalharemos mais anos porque viveremos mais tempo, mas talvez possamos trabalhar menos tempo ao longo dos anos. Mais aldeias ficarão sem gente e mais vilas voltarão a ser aldeias. Acrescentaremos novas culturas à cultura comum, mais sabores à nossa gastronomia. Sabemos, com detalhe, quem somos, quantos somos, onde vivemos. No futuro seremos aquilo que soubermos ser. A demografia de amanhã já se anuncia hoje. O país cabe-nos a nós construir.


 
 
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Pedro Góis



 
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