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18-11-2017        As Beiras

É justo e de bom-tom agradecer algo que nos dão ou um serviço que nos prestam, por mais insignificante que este seja. Pode ser uma convenção, mas não o é apenas: representa sempre um gesto de cortesia e de civilidade que sela uma espécie de pacto de entreajuda entre pessoas que se entendem e respeitam. E é também o reconhecimento do esforço do outro. Sempre o fiz e continuo a fazer, mas o inverso – agradecerem-me por aquilo que ofereço a alguém – tem vindo ultimamente a ocorrer cada vez menos vezes, em especial com interlocutores que detêm uma conceção utilitarista da vida social ou têm dos outros uma imagem instrumental.

Por razões pessoais ou profissionais, é habitual estar constantemente a receber – por telefonema, sms, mail ou através das redes sociais – pedidos de informação, de colaboração ou de prestação de pequenos serviços que quase sempre faço graciosamente. Chegam de investigadores, colegas, jornalistas, alunos e ex-alunos, organizadores de eventos, escritores, editores e outras pessoas a quem terei, eventualmente, algo para oferecer. Respondia, até há pouco, sempre com gosto e sem qualquer hesitação, mesmo quando davam trabalho e, se acumulados, tiravam até horas ao sono. Ultimamente, porém, são inúmeros os casos em que uso muito do meu tempo para dar esse tipo de ajuda, algumas vezes pedida com urgência, e no final nem um simples «obrigado» me chega. Muitas vezes nem sequer sei se o resultado do esforço e do meu cuidado chegou ao seu destinatário, pois este nada diz. Do outro lado, apenas o silêncio.

A exigência de uma palavra de agradecimento não depende, no entanto, de qualquer forma de moralismo aplicado aos costumes. Tem a ver com as regras elementares da civilidade, mas eu prefiro dar-lhe um sentido mais filosófico. Ele passa pelo reconhecimento dos fundamentos éticos de todo o entendimento interpessoal. Afinal, Paul Ricoeur definia a ética como expressão de um «viver bem, com e para o outro», e Albert Camus jugava-a a expressão maior da solidariedade humana, contrariamente à posição que mantinha sobre a moral, na qual via apenas uma forma de servidão. O gesto do agradecimento não sela, pois, um mero momento de compra e venda de favores, mas é um exercício de mútuo e empático reconhecimento.

Pode parecer estranho ter de lembrá-lo. No que me respeita, a perda desse hábito transportou consigo consequências negativas. Agora, quando fora dos círculos mais próximos alguém me agradece um determinado gesto, isso parece-me até algo de um tanto bizarro. Escusado será dizer que, por este motivo, vou respondendo cada vez menos a determinados pedidos, acabando, é bem provável, por deixar sem resposta quem normalmente poderia ou deveria tê-la. Vou também juntando nomes a um rol de cidadãos ou entidades sem direito a colaborações futuras. Sem essa palavra-gesto de gentileza, afinal tão simples e humana, e sem custos, sinto que fui apenas usado. E não gosto.


 
 
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Rui Bebiano



 
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